Sobre o posicionamento de Cabo-Verde em relação a Israel nas Instancias Internacionais




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A notícia de que o Governo actual de Cabo-Verde terá aceite não se opôr de maneira « sistemática » ao Estado de Israel, nas instâncias internacionais, ja fez correr muita tinta. Vai por aí uma imensa trapalhada.

Mas antes de começar, vou já avisando que não sou eu nunca fui afiliada em partido nenhum e que, portanto,  os meus comentários não visam nem a atacar nem defender ninguém. Ademais, a minha posição assenta-se na premissa de que o novo "acordo" com Israel, consiste em não votar de forma sistemática contra esse país, no seio de instâncias internacionais, contrariamente ao que tem acontecido até agora. Se não for esse o caso, aguardo, aguardamos todos, esclarecimentos

Entre os artigos e comentários que aparecem aqui e acolá, nos media e redes sociais, interpelou-me particularmente, um texto escrito por um ex-diplomata.

É espantoso constatar que apesar dos muitos anos decorridos, os fãs mantêm-se inabalavelmente fiéis a um partido e ideias do século passado. Tanto aplauso, tanta reverência, sem uma única voz dissonante, é o sonho de qualquer homem/instituição virado para si mesmo e à busca de protagonismo. Se era esso o objectivo, « pari gagné ».  Depois desta façanha, os aplaudímetros do partido terão de ser subsitituidos. Demasiada emoção !

Um homem de Estado a valer, enfim… convidemo-lo a escrever um livro, as suas « mémoirs », de maneira a compartir os conhecimentos profundos da diplomacia do país. E porque não ? Digamos, em abono da verdade, que contrariamente à tendência nacional, o senhor escreve com fluidez e clareza. Já do raciocínio, não posso dizer o mesmo porque parece ser desenvolvido a partir de credos mais ou menos vagos ainda que gravados na pedra porque não pondera, em momento algum, a possibilidade ou condições em que uma possivel mudança poderia ter lugar.

Depois de ter lido o texto  várias vezes, posso também afirmar sem margem para grandes duvidas, que o texto é uma coletânea de contradições e meias verdades exprimidas como premissas de conclusões anunciadas. 

A história não é o que queremos que ela seja mas o que ela é. Factos são factos. 

Podemos e devemos, com base numa crítica histórica rigorosa, tentar aprender dos nossos erros, na certeza porém que jamais poderemos alterá-los.  Afirmações genéricas, sem contextualização e um minimo de preocupação de crítica histórica, envolvem a responsabilidade pessoal do homem de Estado, não só a nível interno, como um modelo que deve ser, mas também a nível externo como exemplo de uma conduta ditada essencialmente por valores éticos.  

A análise do texto, trás à tona uma série de paralogismos criados pela justaposição de contradições e meias verdades e um jogo absurdo de dar o dito por não dito. Quer isto dizer, que parto do princípio que embora o autor possa  ser sincero no que afirma, o seu raciocínio não é suficientemente convincente.

O texto, numa  dessas derivas entropicas, próprias aos partidos que, tais como religiões, detêm verdades eternas e imutáveis, entra constantemente em contradição, reduzindo a lógica que pretende defender a zero.

Senão, vejamos:

Postula que:

1.      « Com esta decisão… Cabo Verde prescinde de um direito inalienável de qualquer Estado independente que é de ter opinião e vontade próprias nas relações com outros Estados, expondo-se à irrelevância e ao menosprezo internacional. E à chacota.
A questão que obviamente se coloca é a seguinte: para quê tudo isto, porquê expor Cabo Verde, até então pequeno país, mas digno e merecedor de respeito por parte da comunidade internacional, ao descrédito desta mesma comunidade? Que interesses vitais estão em jogo para pormos de lado valores fundamentais na condução da política externa de qualquer país a ponto de prescindirmos de vontade própria em relações internacionais? »

Partindo da premissa que a posição do Governo actual é a “de não se opôr « sistematicamente » ao Estado de Israel, nas instâncias internacionais », mas de votar em conformidade com a situação que se apresenta, agradecia, pois, que esclarecesse  os desígnios nacionais e interesses vitais do Estado servidos pela postura anterior nesta matéria.

A seguir afirma:

2     «Na verdade, estamos perante um facto de notória gravidade que põe em causa a seriedade e a         credibilidade do nosso Estado e disponibiliza a nossa diplomacia a servir sem restrições os               interesses estratégicos de um país que, atribuindo-se um direito de excepção no seu relacionamento com o resto do mundo, não poucas vezes se tem colocado à margem da legalidade internacional, seja no que respeita aos territórios ocupados, particularmente no que respeita aos Direitos Humanos, ou à proliferação de armas nucleares ». 

E contradiz-se de forma inequívoca imediatamente...

« Conhecendo o xadrez político em que se movem as complexas jogadas dessa região tão afastada das nossas paragens, qual o interesse de Cabo Verde em se envolver num vespeiro político que vai, de imediato, provocar reações previsíveis dos países árabes, até agora considerados amigos? … E ter-se-á pensado na probabilidade de esse gesto de subordinação para com o governo israelita, atrair para Cabo Verde a atenção dos seus inimigos mais radicais, incluindo os terroristas »?

…reconhecendo, ipso facto, que a ausência de uma « oposição sistemática » do país ao Estado de Israel, não só poderá atrair inimizades por parte de outros paises árabes como também, « atrair para Cabo Verde a atenção dos seus inimigos mais radicais, incluindo os terroristas », presumivelmente da parte do povo palestino, como primeiro interessado e doutros Estados árabes.

Nesta simples frase, reconhece implicitamente como « capazes de actos terroristas », os que se opoem ao direito à existência do Estado Israelita, prortanto, revelia do Direito Internacional em geral, e aos direitos humanos, em particular.

A ver se percebo essa lógica:  Votavam sistematicamente contra Israel, "um país que se coloca à margem da legalidade internacional", para apoiar Estados terroristasThat makes sense… Em matéria de dissonância cognitiva, já vi situações menos graves.

E é esse tipo de ideologia que queremos defender e apoiar na esfera internacional ? É esse o tipo de humanidade que queremos promover ?

E ainda:
…« E ter-se-á pensado na probabilidade desse gesto de subordinação para com o governo israelita… »

E claro, tudo é uma questão de ponto de vista. Aquilo que para uns é visto com um «gesto de subordinação» é apreendido por outros como um « gesto de coragem e  sublimação ». Um país pequeno, pobre e sem meios mas capaz de transcender-se e inspirar-se, no exercicio da sua democracia,  da verdade e da decência comum. 

E prosseguindo:
« Não se trata aqui de julgar a política externa israelita ». Pois é, oxalá não o tivesse feito, mas fê-lo ao descrever o  Estado Israelita como:  
«um país que, atribuindo-se um direito de excepção no seu relacionamento com o resto do mundo, não poucas vezes se tem colocado à margem da legalidade internacional... ». 

Temos todos direito aos nossos pontos de vista. Mas para que sejam minimamente credíveis, não basta afirmar. Há que os argumentar. 

A questão israelo-palestiniana é demasiado complexa para ser reduzida a afirmações peremptórias e verdades universais, sem um minimo de argumentos. 

Assim, do ponto de vista da análise dos princípios que deveriam reger a  politica externa do país e da postura ética subjacente, o texto é uma grande decepção. "L'argumentaire ne tient pas debout".


Do ponto de vista interno, infelizmente e sem me alargar muito sobre o assunto, tenho muito poucas dúvidas que por trás desses ataques esconde-se, e muito mal, a vontade de atacar o partido no poder e aproveitar, en passant, para tirar alguns dividendos da onda de protestos iniciados em S. Vicence contra os sucessivos governos. 

De lado e doutro, isto é,  os dois partidos que se vêm alternando no poder, ainda não perceberam que foram já pesados e medidos pela população e julgados inaptos à tarefa que lhes vem sendo incumbida nos últimos 42 anos.  O resto são artimanhas para distrair-nos das questões fundamentais.

É triste, a má conta em que têm o povo e ainda pior, a vassalagem de tantos obnubilados pelo poder-ídolo.  Perco todo alento mas depois lembro-me que as pessoas que comentaram, em uníssono, não representam a população das ilhas.  A esses, deixo uma reflexão de uma grande filósofa francesa dos nossos tempos. 

« Il est important de comprendre comment l’individu peut  œuvrer pour la durabilité démocratique. Ce n’est ni la normalisation ni les individus piégés par cette normalisation qui protègent la démocratie. Le fruit de la normalisation reste le fonctionnement fasciste et populiste ».




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