O Bairrismo e Servidão Voluntária







Paralelamente ao despertar de uma consciência política em Cabo Verde, mais precisamente na a ilha de S. Vicente com o movimento cívico, Sokols2017, emerge outro fenômeno, menos conhecido, cujo objetivo, mais ou menos consciente, é de sufocar a emergência de qualquer nota dissonante que ponha um termo ao sistema bi-partidário que vem partilhando o governo (e não só) nos ultimos 42 anos.

 Desde a sua independência em 1975, Cabo Verde tem sido o cenário de um centralismo político esmagador, com uma concentração de todos os órgãos estatais, sejam eles legislativos, executivos, ou judiciais, na Praia. Tal concentração tem servido para justificar e legitimar a grande concentração dos investimentos do país nessa ilha, o contrôle dos recursos fiscais e das ajudas publicas ao desenvolvimento, provocando, ao mesmo tempo, o empobrecimento e precarização das chamadas populações periféricas, ou seja das outras 8 ilhas habitadas que consitutem o arquipélago.

 O extraordinario desenvolvimento económico e social da Praia - devidamente reflectido na soberba e arrogancia da sua elite- contrasta com com o "descrescimento" e empobrecimento das ilhas ditas periféricas, vistas como meros vassalos ao serviço da sua senhora e dona.

 Simultaneamente ao processo de saque das outras ilhas - por omissão (ausência de investimentos produtivos de criação de infrastruturas capazes de atrair outros investimentos) ou intencionalmente (destruição do património arquitétonico e cultural, usurpação dos seus símbolos, imposição linguistica) - repare-se bem , todos, processos típicos de estruturas coloniais - desenvolve-se um sentimento de fatalismo – que se resume na seguinte frase : «Pa quê ? Ka ta sirvi pa nada». Um sentimento que os governos sucessivos não deixaram de explorar, inculcando um sentimento de culpa e inferioridade no seio das populações. Quantas vezes não ouvimos a ladainha : « Se a vossa situação não é boa é porque são preguiçosos, só querem festa » ou ainda, « Em vez de se queixarem tanto, ponham mãos à obras ». Uma cantinela incessantemente repetida usando como mensageiros privilegiados, pessoas oriundas dessas mesmas ilhas. Isso para não nos atardarmos sobre o papel que têm desempenhado os orgãos de comunicação social que, também, quer por omissão quer intencionalmente, desvalorizam as outras ilhas de forma sistemática. All very nicely orchestrated. 

Esta centralização inaugural e excessiva, embora inicialmente aceite como um mal necessário para o desenvolvimento do país – ou assim foi apresentado – já foi alvo de maior indulgência por parte de uma sociedade flagelada pelo desemprego, empobrecida, sem futuro e atormentada por todos os vícios próprios a sociedades em decadência, ou seja, drogas, prostituição, roubo, corrupção, falta de higiéne e o nada infinito. 

Embora tenha sempre subsistido uma certa oposição desde o início, ela persegue muito timidamente, mesmo após a emergência de movimentos no seio de uma diáspora intelectual que se opõem abertamente aos sucessivos partidos no poder.


A troco de apoio ao MpD, nas eleições de 2015, conseguem arrancar a promessa de descentralização/ regionalização, concebidas como os únicos meios para escapar à voracidade antropofágica da capital. Mas uma vez no poder, qualquer ideia de descentralização foi rapidamente descartada a favor de um "estatuto especial para a capital".

 Assim, a oficialização, legalização, quase «manu militari », do estatuto especial da Praia, que já era uma realidade palpável, vem confirmar a inextricabilidade da situação do arquipélago e acrescer os sentimentos de frustração e exasperação nas ilhas periféricas.

 Esta grande humilhação – prova de uma «maladresse» politica lamentável e fruto da arrogância daqueles que acreditam estar acima da lei - é agravada por uma série de pequenas e grandes humilhações quotidianas que culminam com a questão do campus universitário. Foi a gota de água, aquela que despoletará uma tomada de consciência, a saida colectiva da situação de « minorização », entendida aqui como a recusa de deixar-se ditar seu modo de pensar, uma emancipação do espírito que permite a esperança de construção de um futuro melhor e mais digno ou um futuro simplesmente, feito de direito ao trabalho, à educação à saude,a uma cidadania participativa, a uma humanidade condigna. 

THE B WORD

Mas se uma grande parte da população de Mindelo, aliou-se aos Sokols e aos seus aderentes imediatamente e quase que naturalmente, outros empressaram-se de os qualificar de « bairristas ». The B word ! Embora não seja surpreendente que o partido no poder utilize esse "branding", com uma conotação negativa, como um cavalo e arma de batalha, como meio para desencorajar e desacreditar o movimento e assim perpetuar o sistema que protege os interesses de uma minoria, parece surpreendente, à primeira vista, a oposição por parte de alguns cidadãos das ilhas periféricas, ao movimento. Mas por surprendente que seja, este fenómeno explica-se. Senão vejamos :


Estas acusações provêm essencialmente de membros dos dois partidos, o MpD no poder e o PAICV na oposição.Enquanto o partido no poder vê o movimento como uma oposição ao seu partido, uma espécie de desaprovação ao seu desempenho, os da oposição tentam muito rapidamente e despudoradamente, tirar dividendos dele, esquecendo muito oportunamente, a sua feroz oposição a qualquer sugestão de descentralização enquanto no poder.

 Se da parte dos partidos, outra coisa não seria de se esperar , é difícil entender como é que indivíduos que vivem e testemunham o declínio e degradação das suas proprias ilhas, com conseqüências directas sobre o emprego, saúde, educação, qualidade dos serviços, segurança, em suma, sobre a qualidade de vida da população em geral, se oponham, muitas vezes de forma violenta, ao movimento de protestação e indignação.

 Esta posição, ou estado de espírito não provém duma incapacidade intelectual de compreender, e apreender, mas sim de uma recusa a se autorizarem a pensar por si mesmos, a ousarem pensar sem que esse acto lhes tenha sido imposto por outros. Em outros termos, trata-se simplesmente uma assimilação servil dos códigos pré-existentes. Também porque isto significaria pôr em causa todo um sistema de crenças sobre o qual se construiram ou pior, cortar o ramo em que estão empoleirados. Nesta última categoria encontram-se os politicos e intelectuais (ou pseudo) que, apesar dos factos contra os quais não pode haver argumentos, continuam a :

·   Persistir sobre ideia de que uma regionalização seria « inconstitucional » como se a Constituição fosse imutável. A Consituição, meus senhores, deve servir o interesse do povo, o seu bem estar e a sua felicidade e não o contrário ou a perpetualização dum "status quo ante" que só beneficia a elite  instituida.

 ·    A insistir sobre o facto que a regionalização não seria economicamente viável para Cabo-Verde como se a situação actual fosse viável para as restantes oito ilhas. 

 ·       A multiplicar o número de municipalidades da Praia para as transformar em regiões, « just in case ».

 ·     A impigir-nos o crioulo da Praia e despojar-nos da lingua portuguesa sem dialogo prévio e portanto sem o nosso consentimento. Esse mais do qualquer outro, não é um acto um acto inocente. Os que o querem impor, à viva força, sabem que a lingua são armas sem par no exercício do poder.

 ·         A manipular as estatísticas a seu belo prazer, como arma de "dissuasão massiva".

 Neste contexto, tentar convencê-los ou responder às incessantes invectivas, só faz sentido se tivermos por objectivo esclarecer as massas menos informadas e combater a manipulaçåo da opinião pública. Otherwise, a pure waste of time and energy.

  

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