O DESPENCO DO EMIGRANTE



Depois de décadas na diáspora, com os filhos rumando para sua propria vida, começa a germinar lentamente, mas seguramente, a ideia de regresso à terra natal e aos seus. No inicio é apenas uma ideia imprecisa, um sonho mais do que uma possibilidade e ainda menos uma coisa que possa vir materializar-se.

Mas aos poucos a ideia vai fazendo o seu caminho e, tal a mais humilde e pequena estaca, acaba por criar raizes, brotar raminhos e florescer. É um percurso semeado de incertezas e medos. Não é de ânimo leve que se deixa para traz toda uma vida profissional e social, certezas em matéria de segurança social e saúde  para regressar a um pais que carece de tudo um pouco.  Para que esse regresso seja possivel, é preciso romantiza-lo, ataviá-lo de uma boa dose de idealismo e escamotear os aspectos potencialmente negativos que possam vir a pôr em perigo esse retorno  que, para além de tudo o que  possa atrair o emigrante, a terra natal é essencialmente a nossa familia e os escassos amigos que  conseguimos manter ao longo do imenso percurso além mar.

É o fim do frio, do Inverno e das dores e artroses que começam a despontar. O fim dos longos dias de inverno onde o sol se faz escasso e a chuva gélida nos relega durante longos meses a espaços cobertos e permanentemente aquecidos. 

O regresso, como dizia mais acima, é tecido de idealismo, de um quadro romantizado em que cada pincelada foi dada com o desvelo do artista e a cor, objecto de muita ponderação. Esse quadro é feito do azul do mar  bordado de areia branca e de um céu sem núvens, o todo iluminado por um sol constantemente brilhante onde o vento desvairado e o calor sufocante são completamente eliminados. São escamoteados nesse processo, a omnipresente ventania e a terra que nos vem colar à pele, o calor excessivo do qual a nossa pele já perdeu hábito.  Pois é, a mente humana tem dessas; é a tal memória selectiva e os vieses cognitivos.

Mas entre os receios e a realidade, a diferença é abissal, um verdadeiro despenco, um choque  cultural e um frente a frente com uma realidade bem mais prosaica, rugosa e quase violenta que faz vacilar as bases de credos tão laboriosamente construidos. 

Mas pior, muito pior, do que tudo isso, é a bureaucracia de loucos, as carências de toda a espécie e sobretudo um face-à-face, uma « carada », com uma realidade cuja politica económica e social do país durante as quatro últimas décadas, marcou a ferros.

Nada ou muito pouco funciona correctamente. Por mais simples que seja uma questão, é preciso voltar quatro ou cinco vezes à mesma repartição, armado de sacos de paciência.
Dizem, os que por cá ficaram, que o processo de reintegração leva cerca de um ano.  Dizem os emigrantes que é mais longo, levando para cima de cinco anos e que nunca se fará completamente. A minha própria experiência dirá. Mas acredito mais no segundo porque têm esses o beneficio da experiência de terem vivido cá e lá e por saber que depois de vários anos na diáspora o emigrante é o fruto de um dualismo e symbiose cultural. “Nunca tendo deixado de ser, inteiramente, já não é nem o será de novo por completo». É o fruto de uma simbiose de culturas que, se por um lado, o enriquecem, por outro, deixam-no desarmado face à letargia e à complacência dos serviços públicos, à arrogância das autoridades e à tolerância « ad nauseam » ao inaceitável.

A realidade
É a terra e o pó de uma cidade carente de uma urbanização condigna e coadonante com a expansão urbana. É a terra de uma cidade onde se vendem lotes de terreno para construção  mas onde os trabalhos de urbanização são encafuados numa gaveta qualquer da Câmara Municipal, « sine die », alegadamente por falta de verbas. Vendem-se os lotes mas não seguem  as infrastruturas minimas, ou seja, a ligação aos esgotos,  à electricidade e água, calcetamento e ainda menos, como se pode imaginar, acesso à internet o que, nos dias de hoje, não pode ser considerado um luxo. 

Quarteirões inteiros brotam do chão sem que a CM, ou quem de direito, vislumbre dar nome às ruas e aos próprios quarteirões. Acham que é luxo ??? Não, não é e é extremamente embaraçoso ter que explicar sem assumir um ar meio mafioso que o endereço na nossa terra é aproximativo :  « É o prédio de fulano (empreiteiro) que fica atrás da Escola tal… » Mas como o ridiculo é infindável e feliz ou infelizmente não mata,  em tais circunstâncias,  não é possivel fazer o contrato de água e luz porque a empresa fornecedora exige um endereço específico, como é óbvio.  Obvio mas simultaneamente kafkiano. O Estado falhou no cumprimento do seu dever mas os seus serviços exigem um endereço ao cidadão/cliente.

But, seriously…quão difícil é atribuir nomes às ruas ???  É certo que já não restam suficientes heróis e agradeço a Deus porque a iconoclastia já dói e não sou fã de canonizações laicas. Mas podemos simplificar a nossa vida e a dos serviços públicos. Que atribuam nomes de plantas, de estrelas, de poetas (não necessariamente nacionais) mares… enfim… sei lá… qualquer coisa, mas que atribuam nomes ao raio das ruas, que as calcetem, que façam um minimo, for goodness sake !

Mas por enquanto tudo é, antinomicamente, indefinitivamente temporário.  O esgoto ainda não está ligado à rede urbana, não dispomos de electricidade - a Electra, a quem esses serviços (agua e luz) foram solicitados, já lá vai quase um ano, não se mexe. As alegrias e privilégios do monopólio !

A estrada que leva a esse novo desenvolvimento urbano - e imagino que este não seja o único caso -em plena cidade,  é extremamente perigosa, um perigo para o qual a CM já foi alertada. Não há visibilidade nenhuma à entrada ou à saida, o que quer dizer que a probabilidade de um choque frontal entre dois carros é elevada e permanente. De um dos lados da estrada, bastante estreita e rugosa, fica um barranco ao fundo do qual se encontra uma escola.  Quer isto dizer que se um carro ou dois despencarem por aí abaixo, com sorte morrem só os condutores. Com menos sorte, levam umas quantas crianças. E sim a CM já foi prevenida variadissimas vezes. 

E agora… faz-se o quê ?!? O que é que farão os turistas a quem se propõe uma «green card » para aproveitarem da reforma ao sol?!?
Quanto tempo é que vão aguentar sem água, luz, esgoto, um passeio decente e uma rua calcetada sem que a terra e o pó lhes entre  pela casa dentro, onde seja obrigado a respirar o pó porque a CM ou quem de direito, vendeu-lhes gato por lebre.

A minha sugestão é que parte dos rendimentos provenientes da venda dos lotes sirva para custear esses serviços mínimos. Que o dinheiro dos contribuintes e da venda da Res publicae sirva para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e não para financiar intermináveis festas, festanças, festivais e carnavais de Janeiro a Dezembro, ou a encher os cofres da capital.  O Carnaval é importante mas uma vez por ano chega. Á la limite, que o façam no Verão para os emigrantes e turistas que afluem. Mais do que isso e impôr o Carnaval na Páscoa ou no Natal é descabido  e ridículo. Diz o ditado que tudo o que é demais, faz mal. Em ocorrrencia, já enjoa, não só pelo excesso mas pela intenção que nada mais é do que a de entorpecer as mentes e distrai-las do essencial, ou por outra, da necessidade de se investir na criação  de boas escolas e garantir o acesso a todos, na melhoria dos serviços de saude, de serviços de saneamento adequados, infrastruturas decentes, e serviços funcionais e responsáveis.

Aos aspectos acima mencionados, devo acrescentar mais dois que determinarão - «the make or break"- futuros investimentos, quer da parte de imigrantes quer da parte de estrangeiros: A higiene e a segurança. 

Higiéne e Saude Publica

Embora haja dias e lugares fixos para se pôr os sacos de lixo doméstico, não existem contentores que os protejam das matilhas de cães famintos que vagueam pela cidade nem de pessoas que os dilaceram de forma selvagem e deixam-nos abusivamente espalhados pelas ruas da cidade, mesmo em pleno centro urbano. Para além de ser um perigo para a saude publica, é absolutamente repugnante e contraditório com uma política que pretende fazer do turismo a alfa e a ómega do desenvolvimento da ilha.

 A esse quadro pouco atraente, vem juntar-se a horda de cidadãos que levam os animais de estimação para defecarem nas ruas da cidade, mas com uma marcada preferência para a porta dos vizinhos, como é óbvio.  Isso sem mencionar a quantidade crescente de pessoas a mijar e defecar - com a tranquilidade que gera a consciência da impunidade - despudoradamente pelas ruas da cidade. Tudo isso sob os olhos impávidos e serenos da CM e dos Serviço de Segurança Pública. 

Para coroar esse quadro deprimente e aviltante, vem a questão de segurança - ou ausência de…-   ligada à proliferação de « gangs » de jovens, muitas vezes com vínculos no mundo da droga.  Não se pode sair à rua, ir a uma loja, visitar um parente ou  estacionar o carro  sem se ser constantemente assediado por um enxame de meninos que, mais do que necessitados, parecem desocupados e sem rumo, ou de adultos que, a troco de um serviço não solicitado, "exigem pagamento.  Uma verdadeira máfia! 


Onde estão os pais dessas crianças ? Porque é que não estão na escola ? Quid dos serviços sociais em tudo isso ?  Aonde se encontram o agentes de Segurança Publica que de certeza não ignoram o que se está a passar e o inferno em que este país se está a transformar?

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