Miguel Sousa Tavares entre a falsa Empatia e o Verdadeiro Preconceito

 

 

 Sobre a Oposição à Nacionalidade Sefardita em Portugal

O autor, Miguel Sousa Tavares, numa entrevista dada à CNN Portugal ontem 5 de Outubro insurgiu-se contra a atribuição da nacionalidade portuguesa a judeus sefarditas, argumentando que, perante a guerra em Gaza, tal medida seria injustificada. Defende, em contrapartida, que Portugal deveria antes dedicar a sua atenção — e generosidade — às antigas colónias africanas, os PALOP.

À primeira vista, a tese soa a humanismo pós-colonial. Mas um olhar atento revela o contrário: trata-se de uma lógica falaciosa, que coloca vítimas da história umas contra as outras e, pior ainda, encobre uma hostilidade mal disfarçada aos judeus.

O que está em causa na lei sefardita

A lei aprovada em 2015, que concede nacionalidade a descendentes de judeus expulsos pela Inquisição, não é um gesto político em relação ao Estado de Israel. É um ato de reparação histórica por uma injustiça cometida em solo português: a expulsão e conversão forçada de milhares de cidadãos entre os séculos XV e XVI. Reduzir esta lei ao conflito israelo-palestiniano é uma manipulação grosseira — e uma forma de preconceito.

Uma falsa escolha

Sugerir que Portugal tem de escolher entre os sefarditas e os PALOP é criar uma falsa dicotomia. A cooperação com os países africanos assenta no passado colonial e na pertença comum à CPLP. Já a nacionalidade sefardita assenta na reparação de uma injustiça histórica específica. São questões distintas, que não competem entre si. Usar os PALOP como argumento para excluir os judeus não é solidariedade africana; é apenas um truque retórico.

Empatia instrumentalizada

Se o autor quisesse discutir a extensão da cooperação com os PALOP, esse debate seria legítimo. Mas fazê-lo através da rejeição dos judeus expõe a natureza real do discurso: a suposta empatia serve apenas como máscara para um preconceito antigo, convenientemente camuflado sob uma roupagem moral.

Honrar ambas as memórias

Portugal não tem de escolher entre reparar os crimes da Inquisição e assumir responsabilidades pelo colonialismo. Deve fazer ambas as coisas, cada uma com os instrumentos adequados. Contrapor memórias de sofrimento — judeus de ontem contra africanos de ontem e de hoje — é uma forma de negar justiça a ambos.

Conclusão

O discurso que opõe sefarditas a africanos não constrói solidariedade: destrói-a. Não é uma defesa da justiça pós-colonial; é uma tentativa de ressuscitar preconceitos antigos sob a capa da empatia. A pior forma de injustiça é aquela que se apresenta como virtude.

 

 

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